.....................Sobretudo depois de 1672, os navios da carreira da Índia aportavam na Cidade da Bahia não apenas para fazer comércio ilegal, ou para buscar água e víveres de modo a seguir viagem ao Oriente. Sua presença na América portuguesa visava, antes de tudo, a completar suas tripulações com marinheiros ali recrutados.
Na década de 1960, José Roberto do Amaral Lapa empreendeu aquilo que ele denominou “uma das partes mais afanosas de nossa pesquisa”, a qual consistia na elaboração de “quadros demonstrativos do movimento de alguns dos navios portugueses da Carreira da Índia que se dirigiram a Bahia”. Não se tratava de um levantamento preciso, evidentemente, pois as fontes disponíveis longe estão de espelhar os movimentos efetivos da rota que ligava Lisboa a Goa, passando pelo porto de Salvador na ida ou na torna-viagem. Mesmo assim, o Professor Lapa conseguiu detectar 253 registros de passagem de embarcações da carreira da Índia pelo porto em questão entre os anos de 1503 e 1799. Na verdade, como demonstrou Roquinaldo Ferreira, a passagem das carracas e dos galeões da carreira da Índia pelo porto de Salvador refletia laços comerciais que uniam diferentes partes do império português em torno do comércio ilegal de produtos orientais – notadamente da chamada “fazenda de negro”. Esta, produzida no Oriente, era adquirida ilegalmente por comerciantes instalados na América portuguesa e utilizada como moeda de troca na África para compra de escravos. “O comércio gerado pelas naus da Índia”, diz Ferreira, “transformou Salvador num centro de distribuição de mercadorias asiáticas para todo o Atlântico Sul ... A importância de Salvador era tamanha que os negociantes do Rio enviavam seus navios até a Bahia para adquirir as fazendas asiáticas” – as quais, posteriormente, eram levadas a portos africanos para o “resgate” de escravos. 14
Não por acaso, inúmeras foram as leis que tentaram, desde o século XVI, impedir formalmente a passagem da carreira da Índia pelo porto de Salvador. Já em 1565 proibia-se que navios da carreira invernassem no Brasil na ida ou na volta. Estas medidas são reiteradas ao longo do século XVII, como ocorre em 1635, 1664 e 1668. Para além do comércio ilegal que aquelas invernadas proporcionavam, acresce-se que uma das razões alegadas pela Coroa para estabelecer as interdições ao porto de Salvador, segundo o alvará de 1565, era o recrutamento de marujos em que se procedia aqui na América portuguesa para suprir as perdas desproporcionadas que, como se viu, caracterizavam a carreira. Conforme Amaral Lapa, os navios da Índia concorriam, quando de sua passagem pela Bahia, para “desfalcar a população”, até então rala, existente nos domínios portugueses da América. Fosse como fosse, tais interdições caíram por terra com a publicação do alvará de 2 de março de 1672, o qual relaxava a proibição do aportamento e permitia o escalonamento dos navios com destino ou no retorno da Índia. Em boa medida, tratava-se de medida em consonância com aquilo que a historiadora Maria de Fátima Gouvêa chamou de “economia política de privilégios”. Tal política, empreendida pela Coroa após o início das guerras de restauração contra o domínio castelhano em Portugal (1640) e contra o domínio holandês no Norte da América portuguesa e em Angola (1645), baseava-se na concessão de mercês e privilégios destinados ao Brasil e aos colonos. Reconhecia-se, então, que o Estado do Brasil tornava-se área de grande importância no interior das hierarquias espaciais do conjunto imperial e que a adesão dos colonos da América a ambas as guerras em favor da Coroa constituía fator decisivo para atingir os objetivos colimados. A consagração de tal política fora materializada pela carta régia de 26 de outubro de 1645, a qual determinara a elevação do Estado do Brasil à condição de Principado. Ademais, além do status adquirido pela América portuguesa e por seus colonos, o fim das interdições ao escalonamento da carreira da Índia no porto de Salvador – então capital do Estado do Brasil – também refletia, e talvez principalmente, a explícita dependência da Marinha portuguesa em relação a pessoas que poderiam ser recrutadas no território do Novo Mundo. Ali, a população já não era tão rarefeita como no século anterior e, mais importante, a demanda por marujos no âmbito da Marinha portuguesa crescera exponencialmente no século XVII e continuará a crescer no século seguinte. 15
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