o tráfico de escravos e a economia de Pernambuco na dinâmica do Império atlântico português (1655-1755),
de Gustavo Acioli.
Ao usar o conceito de tráfico bipolar entre as capitanias do Brasil e a Costa da Mina, ou a noção de comércio triangular e bilateral envolvendo também Portugal, Gustavo Acioli parece não ter em conta a fluidez das redes de financiamento do tráfico negreiro. O que existia era um enorme mercado ultramarino que se expandia e retraía com extrema maleabilidade, um mercado com múltiplos pólos de oferta e de procura de mercadorias: Lisboa, Rio de Janeiro, Baía, Pernambuco, Luanda, Moçambique, Goa e Macau. Um mercado que, em muitos pontos, extravasava mesmo o domínio ou a influência política portuguesa, em particular quando se situava nos sertões africanos, ou mesmo, em diversos portos da Índia, nomeadamente Surrate, Bombaim ou Bengala.
Ora, a perspectiva de um Império em rede multipolar coloca-nos a necessidade de apreender a dimensão verdadeiramente cosmopolita do Império português e reconstruir os circuitos comerciais ultramarinos dos principais portos brasileiros com África atlântica e com o Índico.
Para isso, torna-se indispensável seguir o percurso económico intercolonial e, muitas vezes, as relações que negociantes do Rio, da Baia e Pernambuco mantiveram, por exemplo, com os seus congéneres indianos, participando activamente do comércio de tecidos asiáticos. A elite mercantil destes três portos também beneficiava dos lucros do comércio com Angola, onde a presença dos seus navios representava cerca de 85% de toda a movimentação portuária de Luanda entre 1736 e 1770. Do Brasil saiam grandes quantidades de tecidos indianos, cachaças, tabaco fino, ouro, pólvora e armas para serem trocados nos sertões africanos, especialmente por escravos.
Reconheço que não estou totalmente familiarizado com a documentação utilizada por Acioli para a elaboração da sua palestra, mas parece-me improvável que as fontes não mencionem a existência de panos indianos nos porões dos navios negreiros que rumavam à costa da Mina. Por outro lado, não nos podemos esquecer que uma parte significativa dos escravos africanos que trabalhavam nas plantações de Pernambuco, chegava ao Brasil em navios que operavam a partir da Baía e do Rio de Janeiro carregados com tecidos indianos provenientes dos navios da Carreira da Índia.
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