Se para os homens livres e pobres podemos discutir o engajamento compulsório ou opcional no trabalho marítimo, para os escravos essa opção era inexistente: a iniciação no trabalho, embora também ocorresse cedo, estava sob o arbítrio do senhor ou de quem os tomava em aluguel. Na colônia, a escassez de trabalhadores qualificados nos estaleiros - onde encontramos profissões idênticas às dos navios - foi contornada pela formação de mão-de-obra livre ou escrava, comprando-se cativos especialmente destinados às tarefas da construção naval ou outros que já dominassem as técnicas do ofício.
Também para os escravos embarcadiços do tráfico negreiro o recrutamento apresentava esse duplo caráter compulsório e livre. Ao que tudo indica, era bastante antigo o costume dos capitães de separarem os escravos mais robustos do carregamento para substituírem os tripulantes que morriam durante as viagens - conforme esclareceu François Froger, engenheiro voluntário e escrivão do diário da viagem de De Gennes, que em 1695 tentou fundar uma colônia francesa no Estreito de Magalhães11. O mesmo ocorreu com o africano Ochar, que aparece na lista dos tripulantes a bordo da escuna Dona Bárbara: pelo seu depoimento, fica claro que ele era um africano recém-capturado que foi colocado a serviço da embarcação12. Por outro lado, os navios também funcionaram como rotas de fuga para escravos que se fizeram passar por marinheiros livres e se engajaram no trabalho marítimo. De acordo com Scott,
(...) mesmo escravos sem experiência de navegação poderiam conhecer alguns termos náuticos através dos versos de uma ou mais canções populares, e passar por marinheiros livres. Os capitães dos navios normalmente não estavam dispostos a inquirir cuidadosamente cada marinheiro engajado13
Além do que, a presença de africanos (escravos ou não) a bordo de navios negreiros poderia se dar pela necessidade de um elo de comunicação entre os tripulantes e as "cargas", pelo imperativo de saber o que murmuravam ou tramavam os escravos encarcerados no porão. Se os africanos embarcados puderam ou se dispuseram a cumprir essa função, pouco sabemos. Também entre os africanos a diversidade cultural era enorme, mas é plausível supor que um africano de etnia diversa (e inimiga) daqueles que vinham no porão pode ter sido muito útil às tripulações negreiras. Inversamente, um africano de qualquer origem pode ter sido um elo importante na rede de solidariedade dos "malungos" contra o tratamento dispensado a eles pelo restante da tripulação.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881999000200002&script=sci_arttext&tlng=en
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