Excelente sobretudo como descrição do tipo psicológico a que Luis Edmundo oferece do "capoeira": "À porta do estanco de tabaco está um homem diante de um frade nédio e rubicundo. Mostra um capote vasto de mil dobras, onde a sua figura escanifrada mergulha e desaparece, deixando ver apenas, de fora, além de dois canelos finos de ave pernalta, uma vasta, uma hirsuta cabeleira, onde naufraga em ondas tumultuosas alto feltro espanhol. Fala forte. Gargalha. Cheira a aguardente e discute. É o capoeira. Sem ter do negro a compleição atlética ou sequer o ar rijo e sadio do reinol, é, no entanto, um ser que toda gente teme e o próprio quadrilheiro da justiça, por cautela, respeita. Encarna o espírito da aventura, da malandragem e da fraude; é sereno e arrojado, e na hora da refrega ou da contenda, antes de pensar na choupa ou na navalha, sempre ao manto cozida, vale-se de sua explêndida destreza, com ela confundindo e vencendo os mais armados e fortes contendores. Nessa hora o homem franzino e leve transfigura-se. Atira longe o seu feltro chamorro, seu manto de saragoça e, aos saltos, como um símio, como um gato, corre, recua, avança e rodopia, ágil, astuto, cauto e decidido. Nesse manejo inopinado e célere, a criatura é um ser que não se toca, ou não se pega, um fluido, o imponderável. Pensamento. Relâmpago. Surge e desaparece. Mostra-se de novo e logo se tresmalha. Toda a sua força reside nessa destreza elástica que assombra, e diante da qual o tardo europeu vacila e, atônito, o africano se tras troca [Nota do revisor: [sic]]. Embora na hora da luta traga ele, entre a dentadura podre, o ferro da hora extrema, é da cabeça, braço, mão, perna ou pé que se vale para abater o êmulo minaz. Com a cabeça em meio aos pulos em que anda, atira a cabeçada sobre o ventre daquele com quem luta e o derruba. Com a perna lança a "trave", o "calço". A mão joga a taponas e com o pé a "rasteira", o "pião" e ainda o "rabo de arraia". Tudo isso numa coreografia de gestos que confunde. Luta com dois, com três, e, até com quatro ou cinco. E os vence a todos. Quando os quadrilheiros chegam com suas armas e os seus gritos de justiça, sobre o campo de luta nem traço mais se vê do capoeira feroz que se fez nuvem, fumaça, e desapareceu. Na hora da paz ama a música, a doçura sensual do brejeiro lundu, dança a fofa, a chocaina, e o sarambeque pelos lugares onde haja vinho, jogo, fumo e mulatas. Frequenta os pátios das tabernas, Os antros da maruja para os lados do Arsenal. Usa e abusa da moral da ralé, moral obliqua, reclamando pelourinho, degredo, e, às vezes, forca". (O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis — Editora Aurora — 31. edição — Rio — 1951 — p. 35).
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