A CAMINHO DO ORIENTE:
Preparação e Quotidiano da Gente de Guerra nas Naus da Índia
......."Muito exame se devia fazer no escolher dos soldados, e usar fidelidade no assentar deles. (...) A primeira condição que o capitão ou armador deve examinar na escolha dos soldados que assenta, é que sejam de boa geração honrada de soldados e cavaleiros se os achar, isto por muitas razões. Sabido é que o filho do cavaleiro ou soldado vê em casa de seu pai as armas com que pelejou e ouve-lhe contar das batalhas em que se achou (...) O soldado conta a seu filho os perigos e trabalhos que passou e faz-lhe perder o medo e receio deles (...). São mais aptos para as armas e guerra os homens das aldeias e campo que das cidades, porque são acostumados ao trabalho e má vida, como na guerra em especial do mar é necessário sofrer. (...) Dos ofícios os de mais exercício habilitam mais os corpos, como são ferreiros, carpinteiros, almocreves e outros, que se não tiverem maus hábitos têm os membros hábeis para manejar as armas (...) De dezoito anos de idade até sessenta é tempo para poder servir em armas, o mais é muito e o menos é pouco. (...) Seja o soldado mancebo, tenha os olhos espertos, o pescoço direito, o peito largo, eapadaudo, mãos e braços, pernas e pés espeditos e mais nervudos que carnosos nem polpudos, barriga pequena, carne enxuta. Estes são sinais de força." (Idem, 53-59)
........."(...) já as armadas se fazem por cumprimento, sem tempo e sem ordem; os soldados andam clamando; as casas que em Goa havia de esgrima tornaram-se escolas de dança e ensinar moças (...) e assim não há bombardeiro em toda a Índia que acerte à serra dês outra, sem lhe atirar do pé dela (...)." (Couto, 1988, 66)
.............No século XVI, Portugal experimenta um processo de transição/transformação ao nível da estrutura e organização do seu poder militar. Esse processo desenvolve-se em duas vertentes. Em primeiro lugar acentua-se uma tendência para a criação de um exército permanente e de alguma maneira profissionalizado, que depende directamente apenas da Coroa, substituindo os métodos medievais de recrutamento temporário de base municipal e senhorial. Em segundo lugar, o eixo fundamental do poder militar português transfere-se de um contingente militar terrestre preparado para conflitos fronteiriços, de maior ou menor dimensão, com Castela para as forças navais que têm como missão fundamental manter uma situação de mare clausum no hemisfério de influência portuguesa definido no Tratado de Tordesilhas e para os efectivos militares deslocados para as possessões do Império ultramarino. Este novo contexto, embora já anunciado no século XV, tem naturais consequências na dimensão da mobilização e nas condições de recrutamento e preparação da chamada "gente de guerra", em particular dos soldados embarcados nas naus da Carreira da Índia. Apesar dos cuidados postos inicialmente no alistamento dos indivíduos que estivessem mais aptos para o exercício da guerra, as exigências permanentes de mais soldados vão pesar bastante nos efectivos qualificados disponíveis. Apesar do alistamento de estrangeiros, com o passar do tempo torna-se cada vez mais difícil seleccionar e preparar adequadamente a soldadesca necessária.
Apesar das dificuldades, a presença portuguesa nos mares e a segurança da rota do Cabo (o principal eixo do império português no século XVI) só são verdadeiramente ameaçadas após a concretização da União Ibérica e, nomeadamente quando a derrota da Invencível Armada deixa as naus portuguesas, carregadas de especiarias e outros luxos orientais, vulneráveis ao corso inglês e holandês e à pirataria muçulmana. Em termos de formação militar, os cuidados vão-se tornando cada vez menores, pela força das circunstâncias. Os capitães continuam a ser escolhidos em virtude da sua linhagem, tomando-se as suas aptidões guerreiras como intrínsecas à sua condição social. Dos soldados espera-se apenas a pronta obediência à voz de comando e a luta pela sua vida contra os inimigos da Coroa. Apenas quanto ao manejo das armas de fogo existe alguma preocupação em facultar um treino prévio ao embarque. O único corpo militar que tinha uma formação mais efectiva acaba por ser a dos bombardeiros que, desde cedo, foi integrado na tripulação regular dos navios e não nos efectivos da gente de guerra. Mas, em muitos casos, esses bombardeiros acabavam por ser contratados além-fronteiras, exactamente pela falta de gente especializada no território nacional, não sendo necessário providenciar à sua formação.
http://nautarch.tamu.edu/shiplab/01guifrulopes/Pguinote-milit97.htm
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